COMPLEXO DE VIRA-LATAS
(Texto editado na revista Manchete esportiva, a 31 de maio de 1958, e republicado em À sombra das chuteiras imortais - crônicas de futebol (organização de Ruy Castro para a Cia. das Letras, São Paulo, 1993). Trata-se da última crônica antes da estréia do Brasil na Copa de 1958, que, como se sabe, foi a primeira vencida pela Seleção brasileira. Nelson mantinha, nesta publicação, uma coluna chamada "Personagem da semana", o que explica o começo do texto).
Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio¹ arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: - "extraiu" de nós o título como se fosse um dente.
E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.
Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas². Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?". Eu explico.
Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley³, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e per- demos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.
¹ Obdulio: ex-futebolista uruguaio que atuava como zagueiro.
² Puskas: futebolista húngaro, considerado um dos melhores do século XX.
Vocabulário:
Escrete: linha ou marca desenhada para servir de ponto partida; linha de partida.
Obtuso: que falta inteligência; não é claro; estúpido.
Inatual: que não apresenta atualidade.
Granadeiro: soldado especializado no lançamento de granadas.
Aludir: Referir-se indiretamente; fazer alusão.
Abjeta: desprezível, sujo; indigno.
02) Explique com suas palavras a opinião do autor.
03) Retire do texto três frases ditas pelo autor que comprovem a sua resposta anterior.
04) A partir da expressão “complexo de vira-latas”, comente, citando exemplos, como esse comportamento pode afetar a autoestima do brasileiro.
Revisão de Conteúdo – Morfologia
- Artigo: acompanha o substantivo marcando a flexão em gênero (masculino, feminino) e número (singular, plural).
- Substantivos: são palavras que designam seres – visíveis ou não, animados ou não – ações, estados, sentimentos, desejos, ideias. Os substantivos podem se classificar em: comuns, próprios, concretos, abstratos e coletivos, e quanto à formação podem ser primitivos ou derivados, simples ou compostos.
(Padrão do substantivo: (prefixo+) radical + (sufixo) VT/DG + DN)
- Adjetivos: são palavras que caracterizam os seres, referem-se sempre a um substantivo com o qual concordam em gênero e número.
FORMAÇÃO DE PALAVRAS
RADICAL 1 + RADICAL 2 = PALAVRAS 3
- Justaposição: em que há autonomia fonética na união dos radicais. Ex: pernalonga (perna+longa), couveflor (couve+flor), girassol (gira+sol).
- Aglutinação: perda ou adaptação fonética na união dos radicais. Ex: planalto (plano +alto), aguardente (água+ardente), alvinegro (alvo+negro).
RADICAL 1+AFIXO = PALAVRA 2
- prefixal: propor, infeliz
- sufixal: jornalista, brasileiro
- prefixal e sufixal: infelizmente, imperdoável
- parassintética: engarrafar, anoitecer
- Derivação regressiva: formação de um substantivo abstrato através de um verbo.
Ex: consumir > o consumo; vender > a venda; ensinar > o ensino
Ex: Os ricos (adjetivo > substantivo) deram uma festa animal (substantivo > adjetivo).
VERBO
- Número e pessoa
As três pessoas do verbo são aquelas que estão envolvidas no ato da comunicação e podem estar no singular ou no plural:
Pessoas/Números | Pronomes Retos |
1ª pessoa do singular (quem fala) 2ª pessoa do plural (com quem se fala) 3ª pessoa do singular (de quem ou de que se fala) 1ª pessoa do plural ( quem fala) 2ª pessoa do plural (com quem se fala) 3ª pessoa do plural (de quem ou de que se fala) | Eu Tu Ele Nós Vós Eles |
- Flexões de tempo no modo subjuntivo:
EXERCÍCIOS
b) Infertilidade: ______________________________________________________
c) Amanhecer:_______________________________________________________
d) Pernalta: _________________________________________________________
e) O consolo: _______________________________________________________
f) Decair: __________________________________________________________
g) Subsolo:_________________________________________________________
h) Agradável: _______________________________________________________
i) Lobisomem: ______________________________________________________
j) Foto:____________________________________________________________
k) Zigue – zague: ____________________________________________________
l) ex-cineclubista: ___________________________________________________
02) Dê as formas verbais pedidas:
b) nascer: 2ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo: _____________
c) florescer: 3ª pessoa do plural do fut. do pres. do indicativo:_________________
d) saber: 1ª pessoa do plural do pret. imperf. do indicativo: ___________________
e) prender: 3ª pessoal do singular do pres do subjuntivo: _____________________
f) dividir: 1ª pessoa do singular do imperf. do subjuntivo: _____________________
g) registrar: 2ª pessoa do singular do fut. do subjuntivo: ______________________
03) Complete as lacunas dos textos abaixo observando que classes gramaticais estão ausentes na construção textual. Não se esqueça que os textos precisam estar coesos e coerentes.
No que se parecem: o sexo e o futebol?
No futebol, como no sexo, as pessoas _________ ao mesmo tempo, _________ e ____________, quase sempre _____ pelo meio, mas também _________ para um lado ou para o outro, e às vezes ________ um deslocamento. Nos dois ________ importantíssimo ___________ jogo de cintura.
(Veríssimo, Luis F. Time dos Sonhos: paixão, poesia e futebol)
Amor é prosa, sexo é poesia
(Jabor, Arnaldo. As cem melhores crônicas brasileiras)
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